Filipe Albuquerque

6h of Spa

🇧🇪

30 Abril – 1 Maio

Circuit de Spa-Francorchamps

WEC FIA World Endurance Championship

United Autosports

1 º Lugar

PROLOGUE

Foi bom estar de volta a Spa e à United Autosports depois de uma longa paragem desde o Bahrein, no ano passado. Há muito tempo que não estava com a equipa, com o Phil (Hanson), os mecânicos. É aquela sensação de regressar a um sítio onde fomos muito felizes, onde ganhei o campeonato do Mundo e Le Mans.

Este campeonato é sempre competitivo e não sinto pressão acrescida por irmos defender o título. Não há vergonha nenhuma em não ganhar outra vez; se isso acontecesse, só iria mostrar o nível do campeonato, mas claro que queremos mostrar que não foi só sorte. Queremos ganhar.

Os treinos livres foram promissores, estivemos constantemente em 1.º em três sessões e na outra sessão terminámos em 2.º. Continuo a ser o piloto mais experiente (platinum) e o Phil Hanson tem mais responsabilidade porque tornou-se num piloto gold. O nosso novo colega de equipa, o Fabio Scherer é muito competitivo, principalmente comparando com a concorrência dele (os outros pilotos silver), é um bom presságio para o campeonato. Claro que sabemos que ele tem de aprender a lidar com o trânsito e pode fazer erros que nos prejudiquem mas isso faz parte do jogo.

Neste primeiro teste oficial, o mais difícil foi lidar com o novo regulamento do campeonato que entrou em vigor este ano e tem um impacto tremendo no futuro da categoria principal da resistência. Não começou da melhor maneira porque as previsões é que os LMHs (Le Mans Hypercar) seriam mais rápidos do que estão agora. Daqui para a frente vai ser preciso perceber se vão abrandar os LMP2s e os GTs ou se fazem o LMH mais rápido. Neste momento há a hipótese de um LMP2 ganhar à classe e à geral.

Todos levaram com o balance of performance por causa do novo LMH e estivemos a reajustar o carro, a fazer o novo setup. É um desafio para todas as equipas porque agora só podemos andar com o downforce de Le Mans, temos mais 20kg e menos 70 cavalos de potência no carro. Então maximizámos tudo o que é possível equilibrar no carro, vemos se escorrega de trás ou na frente, se temos um carro bom para as curvas ou nas rectas, se metemos carga aerodinâmica, etc. Como tenho bastante experiência, pude tomar estas decisões e identificar os desafios antes de chegarmos aos problemas. Na corrida é que vamos ver quem optou pela estrada certa, até lá são só ideias e opiniões.

Correr em tempos de pandemia continua a ser uma aventura. Tive de ter um teste negativo e apresentar cartas de autorização e de justificação para sair do país e voar para a Bélgica. Viajei mais cedo para Spa para poder fazer um segundo teste covid para a organização do campeonato – dois testes no espaço de dois dias, um para viajar e o outro para entrar na pista. Fiz quarentena no hotel enquanto esperava pelo resultado negativo para finalmente levantar a pulseira para acesso à pista porque o controlo é eficaz e apertado. Ao fim de cinco dias, vamos fazer um novo teste covid para termos uma nova pulseira para podermos entrar na pista para a corrida. 

6H SPA

Spa é uma pista icónica, das maiores do mundo, muito completa porque tem curvas rápidas, curvas lentas, chicanes. É  difícil fazer uma volta perfeita ao longo daqueles 7 quilómetros. A curva mítica é Radilon/Eau Rouge, impossível de replicar pela sua grande descida e subida a fundo, ainda nos dias de hoje com toda a segurança continua a ser perigosa, vamos a 240km/h, o carro bate no chão constantemente, todos os anos ficam lá um ou dois carros completamente desfeitos. Puon é uma dupla esquerda a descer, também muito muito rápida, chegamos de 5ª e fazemos uma velocidade mínima de 200/210km/h.  

Começámos os treinos livres a liderar as três sessões, com alguma vantagem para os nossos adversários mais directos, percebemos que só teríamos um ou dois carros capazes de nos fazer frente na qualificação mas há sempre surpresas e nunca se deve contar com a rapidez do dia anterior nem tomar por garantido que vai ser fácil.

Fiquei responsável por qualificar e queria muito fazer a pole position. O carro estava óptimo, fizemos uma estratégia de utilizar dois jogos de pneus novos, uma volta em cada um. A minha primeira volta foi boa mas foi a segunda volta, com outro jogo de pneus, que me saiu na perfeição e dei meio segundo ao segundo e um segundo ao terceiro. Depois vi que a primeira volta que fiz também teria feito a pole. Isto concretizou o nosso domínio de toda a semana até aquele momento.

Claro que estávamos calmos e serenos por termos liderado quase todas as sessões mas é na corrida que se vê verdadeiramente o andamento de toda a gente, há pilotos e equipas que são mais fortes em corrida, que se concentram mais no setup de corrida e não fazem uma qualificação tão boa.

Arrancar na frente diminui o risco de acidentes nas primeiras voltas, dá-nos uma margem muito boa para termos um carro bom sem contatos, sem danos. O Phil Hanson arrancou e chegou mesmo a liderar a corrida à geral, passando dois Toyotas à saída da curva 1, ele  até falou na rádio a rir-se nesse momento, a dizer que estava a liderar a corrida, rimo-nos todos na box. As primeiras voltas foram impressionantes porque concretizava-se o grande andamento de todo o fim-de-semana. O Phil ganhou uma grande distância para toda a gente. A corrida em si foi gerida tranquilamente, sem grandes percalços e em controlo total. À medida que íamos trocando de piloto, íamos também sempre aumentando a vantagem. Tinhamos uma margem muito confortável para os nossos adversários e isso permitia-nos lidar com o desgaste dos pneus ou prever qualquer outro desafio que pudesse surgir. 

Acho que estamos com uma equipa muito boa. O Fabio Scherer, o nosso rookie, andou muito bem. Infelizmente teve uma penalização durante o FCY (full-course yellow) que nos valeu um drive through, mas até isso aconteceu numa altura boa para ele aprender como é a resistência. Ainda assim ganhámos com muita distância. Acho que o Fabio vai ser um óptimo silver, enquadrou-se bem na equipa, estamos com bom ambiente, queremos todos o mesmo. Os pilotos ouvem-me e confiam para que lado temos de ir, pela minha experiência. Estamos mesmo com um funcionamento perfeito entre os 3. Tenho a certeza que isso foi chave para um domínio tão grande, numa altura em que estamos todos à procura de novas afinações porque o regulamento mudou do ano passado para este ano.

Não foi das corridas mais difíceis mas nunca relaxei porque se aparecesse um safety car iria agrupar toda a gente. Utilizei esta corrida para perceber melhor e tentar melhorar o funcionamento dos novos pneus (Goodyear). Talvez para os fãs tenha sido uma corrida pouco interessante porque parecia que estava ganho desde o início mas deu-nos muito prazer passar a meta e concretizar essa vitória.

No fim, abracei-me aos meus colegas de equipa, pudemos confiar uns nos outros. Isso é ótimo porque nos dá motivação, a toda a equipa, para todas as corridas importantes que vêm aí como Le Mans. Para o Fabio foi super importante, ele não ganhava uma corrida há 4 anos, sinto-me orgulhoso porque fiz muita força para que ele viesse para a nossa equipa. 

Dei os parabéns à equipa pela excelente preparação do carro, ao meu engenheiro Gary Robertshaw porque estava tudo muito bem afinado, aos mecânicos, a toda a gente. Ao fim ao cabo, ganhámos em equipa. Como sempre, no final liguei à minha mulher, ao Nuno e ao Pedro Couceiro, que estão sempre lá a apoiar.

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